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Nota do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros

  Nota de indignação e revolta do NEAB/ UFRPE por uma vida negra que se esvai

O Núcleo de Estudos Afrobrasileiros NEAB/UFRPE torna pública a indignação pelos acontecimentos associados a Miguel Otávio Santana da Silva, uma criança de 05 anos, que da infância teve subtraída sua vida inteira. Nossa revolta anseia reverberar que um vida inteira se esvai pela complexidade de um racismo estrutural entranhado na sociedade brasileira e explicitado no cotidiano das diferentes camadas sociais, como no dia 02 de junho de 2020 e com endereço preciso: prédio Pier Mauricio de Nassau, no bairro de São José, Recife, em Pernambuco. Poderia, contudo, acontecer em tantos outros cantos e lugares, onde viceja o racismo e histórias similares alimentam estatísticas oficiais.

O racismo cruzou a vida de Miguel Otávio. E sua história nos dilacerou!

Como já professou o mestre Kabengele Munanga: o racismo é um crime perfeito. É imperioso enfrentá-lo! É certo que ouviremos explicação de autoridades nas mídias, das pessoas diretamente envolvidas nos acontecimentos e de outras que se sentirão portadoras de alguma justificativa ‘razoável’ para o inaceitável: tragédia, acidente, crime seja ele doloso ou culposo. Haverá, ainda, vozes (todas brancas, com certeza!) de diferentes lugares convocando paciência, prudência e confiança nas autoridades e na justiça que virá. Ela virá mesmo? As testemunhas oculares, as imagens das câmeras do velho elevador de serviço (quase um templo proclamando o velho racismo) sustentarão justiça? Afinal, ouviremos em algum momento que uma vida inteira foi subtraída pelo racismo? Contudo, temos a convicção que a branquitude, este fenômeno real e concreto, que estrutura as relações sociais e as decisões de poder e de justiça, que concede salvo-conduto, benesses e privilégios, será inadmissível. Racismo não passará!

Neste contexto da pandemia pelo coronavírus em que vidas negras vem sendo interditadas também remanesce uma questão: seus likes em lives salvam lifes? Mesmo em face do isolamento social necessário, somos mobilizados a uma luta real contra o racismo. Para além das estatísticas, o corpo de Miguel Otávio expõe planos interrompidos de futuro.

O NEAB/UFRPE se soma a todas aquelas pessoas, organizações e instituições comprometidas com os Direitos Humanos e que acreditam que o enfrentamento ao racismo e a todas as suas formas de manifestação é indispensável para promover vidas inteiras plenas de dignidade. Torna-se imperioso transformar a realidade presente do Brasil, uma tragédia para as vidas negras, para um sonho feliz de país para todos/as, porque o racismo não é um problema de negro.

Por fim, nós integrantes do NEAB/UFRPE expressamos nossos sentimentos e solidariedade a Mirtes Renata Santana da Silva, mãe do menino Miguel Otávio, uma mulher negra de porte altivo mas com um coração amoroso “sangrando pela perda da minha vida”, e proclamamos também que vidas negras vivas importam em toda a sua integridade e humanidade: Miguel Otávio torna-se mais uma Vida, que se afirmará pela memória contra o esquecimento, pela qual exigimos reparação e justiça ampla em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente e outros dispositivos legais. Nenhuma vida negra a menos!

Recife 04 de junho 2020.